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resto

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a palavra é: exausta.

não há mais o que falar e eu me forço, empurro palavras por um pulmão sem fôlego para evitar explodir. todo o meu discurso eu já repeti. eu nem conseguia raciocinar, eu nem tenho uma lembrança, mas está tudo lá, argumento por argumento, uma checklist completa de tudo o que eu tive pra dizer.

não sobrou nada.

não sobrou esperança, não sobrou crédito, não mereci apoio. não sobrou ouvido.

eu fui arrancada de uma paz resignada onde eu repetia: não é bom ser sozinha, mas é pior de outro jeito. eu não sei namorar, eu me destruo, eu destruo tudo.

eu me conheço bem.

mas não. –vem cá, eu não vou deixar estragar. quando você cair, eu seguro. eu seguro. vem. eu seguro. eu também tenho a cabeça zoada. eu sinto que é isso, que chegou. vem.

não há nada seguro. não há combinado. vai que não tenha nem lembrança, não sei. não houve espaço pra reivindicar.

amor é irreivindicável, afinal.

tudo parece tão ridículo. menos de um mês, tão ridículo. nem surto coletivo foi, aos olhares alheios, porque só sobrou eu pra contar a história. você virou fantasma e fantasmas não falam. pra todos efeitos, fantasiei um lance, um boy que eu mal peguei e já inventei um drama completo.

-não surta por conta de um menino de 26 anos com quem você passou um fim de semana. só faltava essa, lorena. ele só deu uma voadora no seu castelinho de areia.

ouvi tantas vezes que nem tenho mais energia pra me defender.

o cansaço maior nem é esse. é a realidade sufocante de que até quem tem o mesmo diagnóstico que eu, que sofre lutando contra essa condenação recebida num consultório em algum momento da vida, que tropeça e leva com toda a seriedade possível as limitações que esse estado nos impõe, não encontrou em si o espaço para compreender no outro, nem uma única vez, falhas tão grandes quanto as suas próprias. eu recentemente ouvi toda uma discussão de empatia vs. alteridade e o real valor do segundo conceito, que é enxergar as situações sob a realidade e mentalidade do outro ao invés de apenas se colocar no seu lugar. nesse caso aqui empatia serviria. pegar o próprio medo de abandono e valorizar o peso de abandonar. (é tão textbook que eu fico revoltada, sinceramente.) a gente tinha que saber melhor.

não faz diferença. é tudo leite derramado.

tentei não entrar no mérito, mas a pergunta sempre volta: foi tão grave assim? a insegurança. uma declaração dura, falada na raiva e um pedido de desculpas oito minutos depois. a história parece de fato tão pequena perto do que ela foi capaz de quebrar.

eu penso em splitting, eu penso em que parte desse cancelamento configura sintoma. eu penso que me apagar pode ter sido a única saída confortável. eu penso em que parte daquele amor todo configura sintoma – a gente sabe que uma parte configurava, mas eu via um resto, muito maior, muito muito real. um resto que precisaria de algo muito maior pra apagar.

pode ser que esse resto virou, simplesmente, resto.

eu penso que talvez o que eu tenha feito foi realmente horrível e que ninguém deveria aceitar. não é a primeira vez que eu falo coisas muito duras, mas é a primeira vez que eu chego tão inesperadamente nesse lugar – e essa é a maior decepção comigo, te perdendo ou não.

talvez eu esteja discutindo, vomitando esse monólogo inútil, porque tudo o que eu queria era falar sobre isso – com quem também viveu isso – e entender. tudo o que eu queria é ter, uma vez, alguém que sobreviveu do outro lado e esteja disposto a contar a história.

mas sempre tudo o que eu tenho é silêncio.

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desfilles

I got fire in my brain. In my heart and veins. In between my legs.
(And now I'm back to writing.)

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  • Me cadastrei no Tinder depois de um relação longa (clichê, né?), mas conto isso para dizer que parei no seu perfil e acabei aqui. Você era só uma menina ruiva bem bonita, mas o seu texto é espetacular. Sou viciado em literatura e me lembrei muito de um autor austríaco chamado Thomas Bernhard. Isso é um puta elogio, hein! Beijo.

By desfilles

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