(still under work)
elia tinha uma beleza sem educação. agressiva. mastigada. uma harmonização facial natural, os olhos num azul neon. fez questão de mostrar o tanquinho nas fotos do aplicativo – o que muito por pouco o fez passar batido. era florentino e falava um inglês aristocrático, tinha morado pelo mundo desde criança e exalava a segurança de quem se acredita especial. vivia há alguns anos em zurique, era pesquisador em neurociência + inteligência artificial e carregava com um phd grifado qualquer – trecho em que contava levantando as sobrancelhas com orgulho. beirava o pedante, mas não era. acho que a maior qualidade de elia era fazer esse limite de corda bamba, sem nunca cair pro lado da afetação. (talvez, se você o conhecesse, discordasse dessa minha frase.)
me levou pra um bar chiquetoso e moderno, estabelecimento que poderia estar em cingapura, em londres ou num rooftop qualquer mas, em florença, grita em inadequação. ninguém ali era da cidade, a maioria turistas de outros países. tentei ignorar o preço dos drinks no cardápio e, talvez na minha atitude mais irresponsável da noite, pedi um moscow mule de 16 euros que era qualquer mistura menos um moscow mule. elia fez questão de avisar que só tomava gin & tonics e que avaliava bares pela qualidade desse drink específico e me levou ali justamente por conta disso.
foi um date bem clássico e gostoso, cheio de flertes e, mesmo assim genérico. não lembro de absolutamente nada do que falamos. fechamos a conta com a intenção de tomar um segundo drink em qualquer outro lugar. como ele insistiu em pagar (e eu, pela primeira vez na vida, aliviada, aceitei), eu prometi uma cerveja que de fato coubesse no meu orçamento. elia foi me guiando pela cidade, contando histórias dos medici e michelangelo, mostrando detalhes cravados em esquinas históricas. explicou que sabia isso tudo porque quem faz o liceo, o ensino médio italiano, ali em florença, tem 4 anos obrigatórios de história da arte. terminou o tour no ponto mais cinematográfico da ponte vecchio – tudo esquematizado e mil vezes ensaiado, aposto, para me beijar. um beijo clássico, gostoso e, mesmo assim, genérico.
elia sabia o que queria e não teve dificuldade nenhuma em me convencer. explicou onde os pais, que ele estava visitando durante as festas, moravam – do outro lado do arno, guarde essa informação – e que jamais, de forma alguma, me levaria para lá. se eu quisesse continuar a noite, cabe a mim providenciar onde. meu hotel de florença, ao contrário do anterior, era uma graça, um pouco afastado mas bem novo, meio butique. meu quarto parecia uma caixa de sapatos, a cama de solteiro no canto, uma de casal jamais caberia. tive vergonha, mas a vontade prevaleceu. guiei elia naquela direção.
é estranha, essa situação. todo o ritual. você sabe o que tá indo fazer, ele sabe o que está indo fazer, ao mesmo tempo que há um estranhamento. nem as mãos demos no caminho. é algo que exige de mim um nível de desinibição que eu ganhei com os anos (vários) e que parece que ele trouxe de nascença. quando me sinto envergonhada, eu falo. aprendi a me proteger através do escancaramento da minha própria vulnerabilidade. acendi um cigarro ao chegar na porta do hotel e descrevi com toda a clareza o meu desconforto. me acalmei, terminei o cigarro e subimos.
tive que me anunciar num interfone, morrendo de sem graça, para que as portas duplas enormes e antigas, como todas as outras da cidade, abrissem automaticamente. no elevador, hipnotizado com a própria imagem no espelho, elia arrumava o cabelo sem parar. soltei “what a pretty boy” e ele jamais pegou a ironia. o hotel ocupava três andares daquele prédio: a entrada era no terceiro e uma parte dos quartos, como o meu, ficava no quarto andar. o elevador chegava nos dois. deixei elia esperando no quarto andar e desci um lance de escada.
passei discretamente pela recepção, subi pela escada interna e recebi elia pela porta de emergência. ele elogiou o quarto, a minha organização (ironicamente, acredito) e sentou aos pés da minha cama escanteada, as costas na parede. conversou coisas comuns, talvez para me relaxar. falou de pop italiano, escolhendo a playlist no spotify. as pessoas ouvem o marido da chiara ferragni? elia ouve. aqui comecei a aprender a obsessão que italianos tem pela música nacional que eu nem imaginava existir além das antiguidades de laura pausini e eros ramazzoti.
a partir daí o que descobri de elia, além do seu flerte com o pedante, é que elia gosta de sexo. aqueles caras focados, dá bem pra perceber. tá, não é que todo mundo não goste, é claro que gosta, mas tem quem seja todo, todo sexo. elia era. ele estava ali, ele dançou aquela coreografia das horas anteriores justamente por esse objetivo. ruim, não era. reclamando não estou. ele sabia o que fazia, gostava do que fazia e fazia muito bem, obrigada.
fez questão de elogiar meu corpo repetidamente, ao mesmo tempo que garantia que eu soubesse o tanto que já saiu com modelos e que elas não têm a menor graça. acredito que o foco era mais as modelos do que eu, afinal, mas o elogio funcionou. qualquer elogio vazio funciona em algum grau. as mãos não fugiam dos meus cantos menos bonitos – as dobras, a barriga. essa parte, com certeza, ajudou.
lá pelas tantas, eu exausta, acabada, sugeriu encontrarmos nos 2 dias seguintes e saiu. antes, pediu para eu não marcar mais nenhum encontro com ninguém. declarou se sentir sortudo por ter me conhecido logo na minha primeira noite na cidade. dormi assim que a porta bateu, não escovei os dentes nem botei o celular pra carregar. só deu tempo de responder que achava a ideia boa, mas não garantia nada sobre outros dates. a esse ponto, eu já estava num ritmo incontrolável de aproveitar tudo o que nunca vivi. com elia ou sem.