fico tentando começar pelo começo e não começo nunca. nunca, é verdade, esse começo de fato existiu. o ponto de partida, aquele, era justamente o fim.
não sei mais escrever mas sei que isso nem faz diferença.
de você quase sempre esqueço. lembro bem do dia que chorei deitada no divã – acho que se chorei mais umas duas vezes dentro dum consultório, nesses anos todos, foi muito – antecipando em vários anos o que agora é matéria irreversível.
no dia em que olivia ganhou nome eu chorei muito menos.
pior, muito pior, foi a dor que senti dentro daquele quarto apertado onde você me exilou, sentada encarando a imagem do ultrassom na tela. naquele dia, telefone na mão, sofremos juntas. um luto que atravessou um natal, foi pra paris e acabou documentado: dante.
chorei por dante vislumbrando olivia.
hoje sonhei com vocês. fechei os olhos, abri os olhos, sonhei de novo. fiz questão. me impressiona que o que quase nunca se lembra permanece congelado – cheiro, tato e sotaque perfeitamente preservados – num canto qualquer desse inconsciente. um retrato perfeito de um troço que não existe mais em canto nenhum mas, ó, não é que aqui existe?
perdi o fio. quero registrar. quero lembrar. é muito mais confortável esquecer. não importa o que eu queria, em nenhum momento no tempo, a constante é que [no que é você] tudo é areia entre o dedos.
de lá pra cá quase tudo já apagou. só mais um pouco, apaga o resto.
te sentei na beira da cama, num quarto rosa flamingo ainda cheio de caixas. e te contei. de mim. porque eu estou aqui. por você eu estava feliz. por mim, mais ainda, te vi orgulhoso.
tudo era calma. não tem métrica. atravancado, disforme, esse texto tem paz.