quanto de 2019 já se passou? nem sei mais.
me pergunto onde eu tô, se estou fazendo certo e só lembro dele começando: o dia primeiro todo emaranhado no apartamento de menos de 20 metros quadrados e eu não sabia mais que pé era meu, que pele era minha, que sonho era meu. por qual pulmão passava o ar que eu respirava – isso ninguém conseguiu identificar.
20 metros quadrados de uma coisa só e um ano que só começou no dia 2.
a impressão que eu tenho é que o primeiro de janeiro não pertence a ano nenhum. uma distopia. o andar 7 e meio, um casal gringo que reza de mãos dadas e declara ~gratidão~ fingindo que isso, apenas isso, era uma encenação. brincar de representar um papel, até divertido desde que acabe antes do sol se pôr.
***
eu encaro de tempos em tempos a lista que fiz, às vésperas desse dia. metas, já até falei disso. muitos meses passados, mais um aniversário na minha conta, e a ansiedade que só cresce: é esse meu caminho?
o objetivo central desse ano era um só: estava determinado que todo passo que eu desse seria em direção a me tornar mãe.
tudo bem que meu histórico de planejamento na vida oscila em navegar em modo vidaloka ou falhar miseravelmente em tudo que me organizo: 2017, por exemplo, era o ano em que eu ficaria noiva. No dia 30 de abril de 2018, estava decidido, eu me casaria.
e o único 30 de abril que de fato ficou marcado na minha vida é esse, o último. e daqui, o que é que vem?
de todos os lugares do mundo, onde é que eu tenho que estar?
de todos os trabalhos do mundo, qual é o meu propósito?
e como – essa é a pior – dá pra realizar algo incrível enquanto você é obrigada manter seu sonho preso numa ampulheta que cabe na palma da mão?
o meu sonho
eu fiz escolhas terríveis em prol do meu sonho.
eu quase me amarrei num futuro sórdido, irreversível, levando junto meu bem mais precioso – e fui salva apesar de mim.
(quando meu sonho puder falar e entender, eu vou explicar: vai lá naquela senhora e agradece pela vida traumática que você não teve)
mas será que você vai ter vida, vai ter voz um dia?
será que você vai existir?
será que você vai surgir de mim? me culpar que o trauma de não ter pai é maior do que tudo que ele poderia te fazer?
eu morro de medo de você ser como meu ano planejado: uma figura que só tomou forma na minha cabeça.
talvez só exista, vá lá, no 7o. andar e meio de um primeiro de janeiro. crianças gringas rezando de mãos dadas e declarando gratidão.
ah, tem isso, eu preciso te contar isso também:
um pouco mais de um ano antes, no 30 de dezembro de 2017, o meu então namorado (e um cara dos mais bacanas que já conheci) atravessou o nosso caminho – nosso, meu e seu.
nesse dia eu deitei calada. entrelacei os dedos e apertei bem forte, pra não chorar – ou gritar. e eu rezei. de verdade.
eu nunca rezei. eu não acredito nessas coisas.
mas quando tem a ver com você, sabe, é meu único jeito de seguir em frente. conversar com você e explicar (mais pra mim, é verdade) que tudo isso é pelo dia que eu vou te encontrar. imaginar o dia que vou te encontrar. que vou saber, vou esperar, vou passar por cada uma das coisas boas e ruins – e vou lembrar daquela noite.
eu rezei até pelas coisas ruins. eu abri mão do meu melhor amigo sem o menor remorso – o namorado mais legal do mundo.
e, vou te contar, eu morro de medo. de tudo que eu posso passar nessa vida – todos os traumas, todas as ruínas – nada tira meu sono como a possibilidade de você nunca se tornar realidade.
e, de certa forma, a sua versão que eu amei e cultivei no meu imaginário no ultimo ano nunca vai. me perdoa por te matar.
mas eu vou continuar dormindo todas as noites – e às vezes rezando – pro dia que, de fato, você possa nascer.