I was five and he was six
We rode on horses made of sticks
He wore black and I wore white
He would always win the fight
Bang bang
He shot me down
bang bang
I hit the ground ,
bang bang
That awful sound
bang bang
My baby shot me down
(***)
Eu sabia que ia te encontrar hoje. Eu sempre sei quando vou te encontrar. Hoje, de todos os dias, eu não desci para a pizzaria de chinelo e moletom, como a gente sempre fazia. Coloquei maquiagem e cílios postiços pra jantar com o meu irmão. Lógico que eu já sabia.
Mesmo assim, é sempre aquele gelo na espinha em te ver. Sabe, até hoje eu não tenho mesmo certeza que você existe. Passava noites revirando com síndrome de John Nash, pensando que eu poderia ter te inventado – até aquele dia que você bateu o maior papo em alemão com o taxista (em uma das nossas viagens glamurosas que você sempre planejava sozinho) e eu me derretia feito criança, como sempre aconteceu desde o dia que você resolveu discutir cinema russo comigo e me fazer escutar Chet Baker. Você lembra daquela cena do Kill Bill 2, quando o Bill está contando histórias e tocando flauta para a B. Kiddo? Claro que você lembra! Você sabe tudo dessas coisas bacanas e você faz que acha tão bonitinho que eu sei também, de um jeito tão paternal que diz: peraí, que eu vou te ensinar o resto.
E desse mesmo jeito, nessa mesma eloquência, você explicava uma coisa qualquer na pizzaria quando eu te vi. Existe uma mágica em te assistir falar com outras pessoas, com as mesmas mãos que mexem e te atropelam, com os mesmos olhos que mudam de cor e a risada sarcástica de quem tem toda a atenção e os olhares do mundo. Eu sei que a gente não se cumprimenta, mas eu sorri pra você montes e bati meus cílios postiços em orgulho de ter ver fazer aquilo tudo, até hoje, sozinho. Still, you blow my mind.
Eu sabia que eu ia te encontrar. Foi só por isso que eu levei Simone de Beauvoir para ler na pizzaria, afinal, meu irmão sempre se atrasa e você sabe que isso me tira do sério. Mas eu levei meu livro e eu fiquei, linda, calma, de cílios postiços, lendo Simone só pra você ver. I bet you’d be so proud of me too.
Eu não sei o que é que nessa distância de você, mesmo que você esteja logo ali na minha frente, me deixa tão feliz. Lembra que você me fazia sentir a mais comum das mulheres e que isso me matava? Lembra do tanto que chorei e tentei entender e desabafei pela minha tristeza em ter o homem da minha vida do meu lado e não conseguir, por nada, ser a mulher da vida dele? Hoje, em brincar desse faz de conta que a gente nunca se conheceu, eu me divirto. Eu sorrio, eu bato os cílios, eu leio só pra você. Eu gargalho alto, eu conto as melhores histórias, eu falo coisas que eu sei que você vai discordar só pra você não se aguentar e dar uma opinião. Eu te vejo olhando de rabo de olho, esquecendo suas frases da sua própria conversa eloquente, e isso é o melhor prêmio do mundo, muito melhor do que estar ao seu lado.
Você está com a sua namorada e eu estou com meu irmão num sábado à noite. É muito mais divertido do que todas as outras que jantamos juntos, pra falar à verdade.
Talvez porque você me pareça tão velho, olhando daqui. Sua namorada é linda (parabéns!) mas ela tem o que, trinta e cinco anos? Seus amigos estão com um bebê à mesa. Man, you are old. Eu posso até me corrigir e perceber que você só nasceu em 1981, mas você me parece muito, muito velho.
E como uma criança eu ainda fico ali na mesa vizinha te admirando. Igual quando você me falou sobre cinema russo, enquanto ouvia Chet Baker. Só que agora é muito melhor. O seu sábado á noite, com a sua namorada, é na pizzaria vizinha à minha casa, com seus casais de amigos e seus bebês. Eu tenho certeza que vocês não passam finais de semanas bêbados entre filmes e músicas e guitar hero e jantares às três da manhã e cafés da manhã às três da tarde. Só sobrou a sua pizza de mussarela de sempre, que a gente comia na cama, no chão ou no sofá. E você aí se contorcendo na cadeira pra me ignorar. Poor old man.
Mesmo assim, pra sempre, quando você passar, vou bater os cílios. Só que feliz.