a luz lá de fora refletia no teto do quarto escuro. a sombra da porta, do chão por toda a parede, atravessando na diagonal até o ponto exatamente acima de mim. a gente deitado atravessado, enquanto eu pensava se valia a pena puxar a manta pra me cobrir do ventinho que entrava. o azul da luzinha da tv piscava no mesmo ritmo da sua respiração e o reflexo se misturava com todas as outras sombras que desenhavam o teto do quarto.
i was definitely high and he was sound asleep.
arregalei o olho pra tentar gravar cada segundo daquele momento. será que eu lembrava de alguma outra vez parecida? desse silêncio e da sensação da hora em que bate o “fudeu, to apaixonada-louca-apaixonada-pra-cacete”? aconteceu tantas vezes e eu não lembro exatamente de nenhuma.
arregalo mais os olhos. quero lembrar de tudo. ele ronca.
passei as duas semanas anteriores tentando imaginar como seriam as horas que acabariam no quarto escuro. construindo cada detalhe que, eu suspeitava, jamais seria alcançado pele realidade. será que eu estava inventando? será que ia ser estranho? será que eu exagerei?
pensar nele é lembrar da luzinha azul no quarto escuro. toda memória tem a sua própria luz. a gente deitado se olhando, o amarelo do abajur refletindo no olho incandescente – e eu nunca consigo parar de sorrir. as sombras que dançavam na parede durante um banho de três horas. a iluminação do poste do estacionamento do aeroporto. O feixe que ilumina o cacto enquanto a gente vê a lua pela janela. todas as luzes do mundo refletidas naquele olho. (acho que tenho uma nova meta na vida)
e eu nem sei exatamente como me apaixonei.
um mês depois me vejo em pé na cozinha escura, me perguntando se em todas as vezes que as coisas desmoronaram eu sabia. se quando eu abria a geladeira no meio da noite – um mês antes, uma semana antes, três meses antes, que seja – se eu já sabia. ou se eu estava nesse torpor apaixonado, num fluxo de planos infinitos – pro próximo fim de semana, próximo jantar ou próxima viagem, pro ano novo ou carnaval – absolutamente clueless.
como é possível a gente achar que tá tudo certo quando tudo sempre dá errado eu não sei, mas eu sempre acho. está tudo perfeito. dou um gole na minha coca normal e brinco de adivinhar quando é que ele vai se cansar de mim. qual o motivo. quanto tempo que eu vou levar para perceber. será que dura quantas viagens?
eu tenho uma certeza tão grande de que ele eventualmente vai desistir que isso ironicamente me dá segurança e paz.
sigo feliz.