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11 de dezembro de 2024

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Tenho planejado escrever desde que terminei o livro da Virginia Woolf, deve ter mais de uma semana, e todo dia ou esqueço ou postergo e quando vou lembrar já estou na cama. Antes, quando estávamos no estúdio, por ser um cômodo só, eu não podia fazer barulho e nem cogito escrever no celular, acho um saco, até quando vou escrever legenda de post no instagram, se posso, faço no computador. Aqui na casa nova pra falar a verdade me lembrei bem menos desse meu plano, e foi passando, mas não quero deixar passar de vez.

Já é uma mudança enorme que eu tenha decidido não escrever no blog, não publicar de forma alguma, fazer uma pastinha no drive e só, talvez seja a primeira vez em muito tempo que eu escreva só pra mim, talvez só pro futuro, e sem nenhum compromisso em estar bonito ou bem escrito. O objetivo é puramente documental e também de exercício para quem sabe um dia poder escrever para que alguém de fato leia. E para organizar a cabeça também, é claro.

Essa vida partida ao meio é uma loucura, não sei quanto tempo se sustenta, tudo dividido e tudo multiplicado: as pessoas, os afetos, os lugares, divididos. As coisas tenho que ter duas, uma lá, uma cá. Uma cafeteira lá, uma cá. Um tênis lá, um cá. Eu já comprei todas essas coisas, eu já acumulei um mundaréu de cacarecos e cá tô eu me preocupando se temos descascador de batatas ou abridor de latas.

Nunca na minha vida me preocupei com dinheiro e essa noite, quando acordei e tive dificuldade de voltar a dormir, pensei na morte, como sempre penso mesmo quando acordo só pra fazer xixi – a morte é um pensamento noturno onipresente – e pensei em dinheiro, se vai dar, se não vou atrasar o aluguel de janeiro – veja só à essa altura pensar em aluguel. Eu sinto que dei mil passos pra trás pra poder finalmente andar pra frente porque eu sei lá a quanto tempo estava congelada, era um congelamento confortável mas congeladíssima naquela vida. 

Ao mesmo tempo, é tudo investimento e nada tem garantia nenhuma, eu não sei meu o nível de risco desse investimento, ninguém pode calcular, mas tem um pedaço de mim que pra sempre vai ficar pensando no e se não der certo, talvez mais pensando do que se protegendo, parece que eu vou e vou e vou indo como se fosse com certeza dar certo mas a cabeça fica sempre achando que não vai dar – exatamente o contrário do ideal que é confiar e se proteger, mas não.

Aí penso, se eu não tivesse investido, estaria fazendo o que? E esse o que que me vem a cabeça não vale, é como se minha única opção viável é investir mundos e fundos e tempo e energia e presença porque é o caminho que a vida me apresentou e que se tudo der errado não havia nenhum outro, que ficar vendo a vida e bh e as pessoas passarem pela janela já tinha dado o que tinha que dar há muito e justamente por isso que eu inventei de ir pra bologna pra início de conversa. Se não fosse isso, eu estaria de tempos em tempos indo e indo e indo cada hora pra um lugar – e não é exatamente isso que estou fazendo?

De estar longe penso mais em quem tem vida curta, meus avós e a Leia, mesmo que no fundo eu saiba que ninguém tem vida longa garantida, que eu deveria ajudar mais a minha mãe. Passei a pensar com frequência na velhice dos meus pais, se eu tiver aqui não vou poder ajudar, fazer o que minha mãe está fazendo, o que na verdade de fato eu jamais poderia fazer como ela, não tenho a mesma vocação, o jeito, o foco no outro.

Tenho ocupado um espaço mental enorme com essas coisas, o dinheiro, o futuro, a velhice em geral, fora as listas de compras intermináveis, o almoço e o jantar, parece que finalmente fiquei adulta, ou pior, uma mulher adulta em todos os sentidos do papel social de mulher, uma dona de casa ainda. O agravante é que não tenho de fato uma carreira consolidada pra falar, ó, eu tô trabalhando, eu não tenho tempo pra essas coisas, mas não, eu tô em casa e me sinto uma inútil se não deixar as coisas prontas pro Matteo que saí às 7 da manhã e volta às 7 da noite. Parece que minha vida está infinitamente mais fácil que a dele no sentido de esforço mas aí caímos no assunto da energia, que sei lá há quanto tempo é o maior assunto de todos, onde gasto mais terapia (preciso mudar o foco porque não leva a nada) e que me sinto mais incapaz, mais impotente.

Até outro dia achava que era eu, que vinha de mim, mas uma ficha pra lá de óbvia caiu semana passada ao ler o livro da Rosa Montero em que ela conta que uma outra escritora começou a tomar lítio e reclamou da letargia e, eu que tomo lítio há 10 (10, já!!!!) anos fui revisitar como foi a adaptação, o início, e o que mais lembro era o mal do estômago, que comecei a comer muito porque gerava um conforto no estômago, e engordei, mas não é que tinha isso também? Foi lá que começou o sono infinito (talvez antes, não sei, preciso rever isso melhor porque tenho teorias divergentes), a letargia, mas é tudo embaralhado porque se confunde com o término com o João e a depressão dessa fase. É fato que já no fim com o João a falta de energia foi um fator central para a insatisfação dele comigo, principalmente aos fins de semana, mas eu trabalhava CLT, funcionava, estava mal mas funcionava, impactava os fins de semana, sim, mas é isso. E a verdade é que eu não lembro exatamente quando comecei com o lítio, não lembro mesmo, não lembro quando comecei a ir na Doris, o que ela me deu? O Teng só fui quando terminei com o João e de fato ele me deu lítio, mas o que eu tava tomando antes?

Bom, divaguei mas o fato é que há muuuuuito tempo eu não considerava o fator medicação nessa questão da energia e é óbvio, tava na minha cara, mas, sendo assim, que saída eu tenho? Não tenho. Parece que diluo a vida em dias mais curtos (espero que seja uma diluição, como brinco que foi com meu avô, mas só vou saber se eu de fato viver muito), mas o fato é que isso me priva de projetos mais concretos e de produzir, produzo muito menos que poderia, estou sempre recostando em algum lugar, uma parcela porque posso, uma parcela porque tenho, e eu nunca sei qual é a proporção de cada uma dessas partes.

O fato é que eu tinha que fazer mais e isso está na minha cabeça o tempo todo, mas não é o suficiente para que eu de fato faça.

Quando li o primeiro livro que li do Edouard Louis, quando fechei o livro, a Ana estava na sala e eu falei: como produzir algo que valha, sem que pra isso você tenha DESESPERO? O fator desespero é a tecla mais gasta do livro dele, ele repete mil vezes que não é paixão ou vocação, nem é a escrita, poderia ter sido qualquer outra coisa, o que o moveu foi desespero. E assim, preciso lembrar ou preciso justificar que Edouard Louis a que tudo indica é saudável e eu não quero usar minha condição como muleta mas de fato minha condição é uma limitação, uma deficiência, eu troquei minha energia por estar viva e sem sofrimento, mas como sempre a pergunta é: em que proporção? Em que proporção isso de fato afeta, qual o mínimo que pode afetar e que é inevitável, em que proporção é e sempre vai ser uma justificativa?

Ao falar disso ou quando esse assunto aparece numa conversa com o Matteo, às vezes por uma situação prática, eu penso no João e penso se algum dia vai cair uma ficha pro Matteo dessa deficiência ser um peso, ser uma incapacidade que ele não quer num par, talvez por isso eu tenha a necessidade tão grande de criar créditos, e isso tô criando: as coisas prontas em casa, o apoio da mudança, isso é considerando que ele reconheça todo o esforço – hoje parece reconhecer mas e quando eu precisar usar esse crédito? Sinto que uma simples falta de energia para uma caminhada, uma manhã em que durmo demais, já gera uma insatisfação. Ainda mais quando menciono que não sei se consigo sustentar um trabalho CLT aqui, nossa, essa hora a coisa pega. Não consigo ou não quero ou não preciso? Os três. Mas em que proporção?

Quando eu tinha uns 16 anos li um artigo da Veja (!!) de um cara que ficou uó depois chamado Stephen Kanitz (que era pai de uma amigo do Victor, o Renato, outros uó), que pelo que me lembre chamava “Iniciativa x Acabativa” e eu nunca mais esqueci desse texto e na época já me identifiquei, já senti o puxão de orelha, por ser uma pessoa sem acabativa e com muita iniciativa, sempre com dificuldade de executar e muito ímpeto de fazer, querer fazer e não fazer, ficar presa no meio do caminho, acho que sempre fui isso, acho que sempre no meio do caminho precisei de uma força motriz externa, talvez porque eu não tenha o desespero do Edouard Louis, não sei. Veja, esses escritos, eu amo escrever, eu sempre quis tanto escrever, eu me propus a escrever diariamente faz mais de uma semana e não fiz e, sabe, provável, eu apostaria, que não dura uma semana, não tenho disciplina, talvez é a coisa que mais me falta na vida.

E agora lembrei que se a ideia é escrever todo dia tudo bem ter mais um monte de coisas pra falar, posso deixar pra amanhã, já até ajuda se eu tiver uma pauta na cabeça e a ideia é escrever por pouco tempo (nem sei quanto tempo faz que estou aqui). Bora (brincar de) trabalhar.

(Mudei de ideia e resolvi publicar no blog. Previsível. Podemos discutir isso depois.)

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desfilles

I got fire in my brain. In my heart and veins. In between my legs.
(And now I'm back to writing.)

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By desfilles

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