(still under work)
francesco tinha acabado de voltar meses antes para florença, sua cidade natal. morou mais de uma década fora de casa, dez anos em milão e dois em paris. com a mudança de cidade, trocou também de carreira e confessou que ainda se espantava por se sentir tão feliz, muito mais do que tinha imaginado, com as decisões que tomou.
francesco sabia, mesmo sem termos nunca conversado sobre, que eu era brasileira. elogiou o meu inglês, no caso um pouco pior do que o dele, e fez questão de contar o alívio da possibilidade de conversa solta com o vocabulário em dia. o papo era fácil e despachado, francesco ouvia com interesse na mesma medida que contava sobre si. quando eu cheguei, me acompanhou ao bar para que buscássemos a minha cerveja e parecia já conhecer quem apareceu pelo caminho. francesco é o cara local. é o italiano que prefere cerveja. que conversa com todos. fazem festa quando ele entra (france!), perguntam sobre qualquer assunto da véspera.
tinha um sorriso transbordado, que se espalha em ruguinhas ao lado os olhos, grandes, e um nariz que entrega de onde ele vem. falava com as mãos, que ele logo me mostrou serem pequenas do tamanho quase das minhas, e se movia pelos ombros. contou que era solteiro há 5 anos, engatou um papo de relacionamentos, quis saber. francesco é do tipo que te faz querer contar a vida inteira, é platéia atenta, sabe emendar histórias num novelo sem fim. tem carisma, é essa a palavra, não precisa de muito tempo pra ver, não.
ao buscar a segunda cerveja, sentamos numa mesa alta encostada na parede, um de frente pro outro. o bar era mais claro que a rua e me deu uma visão explícita dos olhos de francesco. sem aviso, de imediato, aquele olhar atravessou tudo o que em mim é matéria bruta, pra me encarar despida do que não interessa. francesco me viu inteira sem desviar. se manteve, fixo, sorriu e sussurrou: “o que diabos é esse jeito forte que você me olha?” nunca confessei que eu só era bússula desgovernada diante do ímã que pra dentro me puxava. me imaginei descendo da banqueta, estacionando do seu lado e pedindo um beijo. tomei mais um gole da cerveja, sorri sem graça e assisti as pessoas que falavam alto no bar.
passamos por mais dois ou três assuntos e francesco me chamou pra ir à rua para poder fumar. com a mão que levava o copo segurou o peso da porta que mantinha o frio lá fora e, enquanto eu vestia o casaco e passava, tirou o cigarro do bolso e o acendeu com a outra mão. já na calçada, os ombros quase nas orelhas por conta do gelo, se virou pra mim e apoiou o copo num parapeito parafusado à lateral do bar. eu, dois passos atrás e muitos à frente de qualquer raciocínio, tirei o cigarro da sua mão e o beijei.
eu o beijei. é estranho contar essa parte, um início tão início da história, e perceber que estava tudo lá. eu e francesco sempre fomos eu e francesco desde antes e principalmente durante aquele beijo, eu sempre um instante à frente, movida de uma vontade maior que eu, um desejo que só sabe ser e não aceita nãos. nesse caso, é verdade, não teve não nenhum. francesco terminou o beijo com sorriso aberto e abraço apertado, deu até de agradecer.
eu vou. ele me move, eu vou mais um tanto. francesco me nasceu gêmeo de um impulso que em nada lembrava as vontades que eu na vida tinha parido, parecia até que era a primeira vez. entre mãos grudadas, abraços e beijos de todos os tamanhos, terminamos a terceira cerveja. dali pra frente, eu sabia, era tomar rumo de casa. uma casa ainda tão nada minha, que eu nem sabia onde ficava. entendi que francesco morava sozinho, apontou um predinho de esquina logo ali, no número 13 da piazza santa croce.