(still under work)
depois de 5 anos trabalhando sem parar, consegui tirar férias. depois de mais de 16, eu estava em roma. naquela madrugada, já amanhecendo pós festa de réveillon, deixei meus amigos em casa e saí andando pela cidade ainda bem movimentada de gente jovem ou bêbada, ou os dois. renaissance da beyoncé no fone de ouvido, eu dava passadas como se estivesse desfilando, às vezes dançando, e sem nenhuma preocupação por passear sozinha no meio da noite. queria tatear aquela cidade inteira com a sola dos meus pés, repetir e repetir “eu tô aqui”. mais do que aqui, eu tô aqui sozinha e muito feliz. passei pelo pantheon iluminado, pela piazza venezia cheia de patinetes estacionados, subi a via condotti, virei na fontana de trevi e lá assisti o dia 1o. de janeiro clarear.
a vida vinha boa já desde o ano anterior. boa e parada. tinha me mudado antes da pandemia de volta pra cidade onde cresci, montei um apartamento dos sonhos de onde eu nunca saía. eu já tinha 37 anos, minhas amigas quase todas casadas e/ou com filhos e as companhias para ir pra rua já tinham miado faz tempo. solteira desde que voltei pra casa, já tinha decidido – decidido mesmo, de caso pensado! – que a vida era melhor assim. eu era feliz e tinha controle, sem ter que deixar nem humor nem agenda nem destino na mão de ninguém. quando dava vontade, saía com algum moço aleatório umas duas vezes e a coisa já se dissipava. ultimamente, era sempre um moço aleatório com menos de 25, para garantir a incompatibilidade além do curtíssimo prazo.
pro ano que amanhecia eu não queria muita coisa. assim, depende de como você vê, porque eu queria uma coisa só, mas uma coisa enorme: eu queria ser mãe. era uma ideia que eu cozinhava há pelo menos uns 3 anos, desde que eu encasquetei com a produção independente. já tinha congelado óvulos, escolhido doador e marcado, na minha cabeça, que ia começar a tentar mais ou menos no segundo semestre. no primeiro, por enquanto, eu ia viajar. o ano mal tinha nascido e (olha o sucesso!) meu calendário já estava seguindo os eixos que finquei.
aquela viagem, na verdade, não era minha. alguns meses antes, num jantar com um amigo antigo, o rodolfo, ele me contou que estava com tudo planejado para passar três semanas na itália, entre a virada do ano e janeiro, com outros 2 amigos. se ele me convidou, não me lembro e suspeito que talvez não, mas já me coloquei no plano ali mesmo. se o rods estranhou a iniciativa, ele deu conta de não me deixar perceber.
eu não ia para a itália há (quanto tempo mesmo?) 16, quase 17 anos. quando eu estava na faculdade, encasquetei que moraria uns meses em milão (sabe-se lá por que), comecei a estudar italiano obsessivamente por alguns anos e desisti da ideia por conta de (adivinha!) um namorado que não me queria longe. o único cheiro de itália que tive foi uma viagem de família, mais ou menos na mesma época, em que o próprio foi a tiracolo. eu poderia tentar te explicar com mais detalhes porque a itália bate tanto ponto no meu imaginário, mas a verdade é que eu nunca me permiti parar pra pensar e descobrir o motivo, achando que nunca mais voltaria.
rodolfo ia viajar com ivan, que eu conhecia muito superficialmente de algumas saídas e gra, que eu nunca tinha visto na vida. já tinha tanto tempo que eu não tirava férias que, assim que ele contou dos planos, eu inventei que ia trabalhar no caminho. fazer um curso, fazer uns conteúdos, sei lá. bica um pedaço do itinerário, trabalha no meio, encontra a turma no final. há quase um ano eu flertava com uma mudança de carreira – de economista para produtora de conteúdo em decoração – e até que estava dando certo, mas me faltava formação. pesquisei todos os cursos curtos de design de interiores que aconteceriam em milão em janeiro, para descobrir que minha conta bancária não dava conta de nenhum deles. quase desisti do rolê inteiro, deixei a ideia em suspenso até meados de novembro, quando fiz as contas e percebi que o curso não dava, mas a viagem com os amigos, se eu apertasse o suficiente, sim.
rods garantiu que tinha planejado um orçamento possível, sem nenhuma grande extravagância (além de, afinal, tirar férias na europa). o itinerário era o básico completão: roma, florença, cidadezinhas da toscana, bolonha, veneza e milão. estava absolutamente tudo resolvido: bilhetes de trens e museus comprados, airbnbs reservados, toda uma planilha com as atrações de cada dia. se de um lado era completamente confortável não ter tido esse trabalho prévio, por outro tinha o que não daria pra me encaixar. hospedagem, por exemplo.
reservei as acomodações mais baratas que consegui e o mais perto dos meninos. já te conto de uma vez que eu achei que ficar em outro lugar ia me deixar deslocada, me dar um sentimento de exclusão diante de uma turma que já era muito mais próxima entre si, mas foi exatamente o contrário. ficar em outro lugar me deu liberdade. carrego uma ansiedade social e nesse processo aprendi que eu tenho mais segurança dando menos de mim, mas dando o melhor de mim. sendo engraçada, animada, fazendo piadas, sendo rápida. gastar meu bom humor, me sentir bem comigo e me recolher. tirar minha soneca, entender que eu não tenho a mesma energia que as pessoas e, se eu não estiver em todos os rolês, tudo bem. foi justo nesse espaço sozinha que consegui achar a vontade de criar momentos não só meus, mas com gente nova.