Finjo de estátua. Paro. Calo. Deixo os dias passarem.
Não lembro bem agora, enquanto andava de um canto pro outro da cidade fria, como consegui parar de pensar em você.
A verdade é que não: sobrou pensamento. A cidade foi lá e me bombardeou de memórias que não te incluíam.
As vezes eu pensava: a gente nunca vai andar abraçado aqui. Nem aqui. A gente nunca vai tirar essa foto, fazer esse passeio, comer nesse lugar. A gente nunca vai discutir sobre o melhor jantar e se eu devo carregar a câmera pesada. Isso não é uma questão. Isso nunca vai acontecer.
Você tinha virado passado.
Eu nem sabia da sua vida. Um pouco, por raiva. Outro, por cansaço. Março ia chegar e não ia te ver e os dias iam seguir. Cinza, mas nítidos.
Até a sua foto aparecer piscando no meu celular.
Dramas do mundo moderno: você quer ser meu amigo.
Amigo.
Você quer ver o que tenho feito e eu terei que ver o que você tem feito e as nossas vidas serão o mínimo simbióticas, como já foram.
Paro. Calo. Finjo de estátua. Durmo uma noite, mal me movo na cama. Pego um avião. Sua foto está lá. Você existe.
Passei duas semanas fingindo te esquecer e você vem se certificar que eu sei que você se lembra de mim.
Depois de muito pensar, decidi passar dois dias na cidade que viu nossos passos e nossos abraços e nossas discussões sobre o jantar. Isso foi antes, antes da foto que eu carreguei no celular enquanto atravessava a imigração.
Eu te trouxe de novo comigo.
Ainda calada, durmo mais uma noite. No outro dia, um email, seu.
Eu não sei mais o que fazer.
Briguei tanto para te ter de alguma forma na minha vida que não me preparei para a possibilidade de, de fato, ter. Será que eu quero?
Será que eu quero assistir suas conquistas e seus passeios e seus amigos enquanto permaneço do lado de cá da tela? Será que isso me conforta?
Andar pela cidade tendo DRs telepáticas me parece mais seguro. E mais previsível.
E se você se apaixonar? Eu tenho que ficar feliz por você? Eu tenho que mergulhar no mundo de likes que povoarão a sua tela?
Vejo sua foto. Me rendo.
E cá estamos falando de saudade.
