A música tocou no radio enquanto voltávamos calados pra casa. Nos últimos tempos, a gente sempre volta cedo e volta quieto. Eu tento alcançar a sua mão por cima do câmbio, tento fazer um cafuné. Tento vencer o frio gelado do ar condicionado que você já deixa fechado do meu lado, para quando eu entrar.
Você começa, primeira estrofe, bem baixinho. Eu olhando pela janela, distraída. Você aumenta o som e eu acompanho, dublando, sabendo a letra aos pedaços. Você nunca canta. Mas cantava.
A cena de nós dois cantando elis, alto, dentro daquele carro, ficou para mim como o retrato do último momento que realmente dividimos. Já estávamos funcionando como dois eixos separados caminhando lado a lado, cada um distraído no seu próprio pensamento.
Você pegou minha mão e falou: adoro essa música.
Ela é linda. É triste.
Quando demos conta de que também éramos, a música acabou.